POEMA DE OCASIÃO
I
Sentei-me a olhar
O NADA
O NADA é curioso
não tem sabor
mas tem cheiro
é invisível mas sente-se
O NADA
transpira um odor estranho
um cheiro a humidade
a bolor
a azedo
como aqueles quartos
onde há muito tempo não dorme ninguem
O NADA tem vida própria
e sem sentirmos
nem consentirmos
dá-nos a mão subrepticiamente
e de repente
estamos do outro lado do NADA
E só então
sentimos dentro de nós
peso irreversível
da realidade do NADA.
II
Lá fora o vento suão
não deixa medrar este verão
a areia tem pernas para andar
e é curioso ver o mar
tão socegado
plantado no seu lugar
Os humanos
de costas viradas ao vento
como bandos de gaivotas
numa manhã de invernia
aconchegam-se quietos
pensando naqueles dias
do Tempo do antigamente
quando ainda havia calor
e a romaria nas praias
tinha esse doce sabor
cristalizado em memórias
Tudo mudou para pior
porque nenhum computador
é capaz de alterar
a inversão deste verão
que nos faz refletir
no que ainda está para vir
Abriram o ventre da Terra
sugaram o leite e o mel
quando o mar subir de nível
e já não houver areais
será engraçado de ver
gente fina e poderosa
a sobreviver como animais
Já cá não estou nesse Tempo
no fim das religiões
na Terra repovoada
de clãs de canibais
Nada dura para sempre
a genética evolui
os recursos são poeira
a Civilização reflui
e o pouco que resta de terra
onde havia continentes
é uma ilha-cemitério
é o elo
é o Destino antecipado
a maturação da semente..
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