quarta-feira, 20 de junho de 2018

OS  MURMÚRIOS  DOS  SONHOS

Os Sonhos são memórias cristalizadas no nosso cérebros de pessoas que pertenceram ao nosso Passado. São recordações oníricas de seres com quem comungamos a vida mas que se aproximam de nós limpas de ruídos e ausentes do mundo real onde viveram.
Nos Sonhos viajamos de mão dada com ente queridos por terras que se criam no silêncio e na obscuridade da noite. A Avó que nos sorri e almoça connosco numa sala estranha e acolhedora, amigos que nunca mais vimos nem veremos, um filho tornado criança que ri e corre na nossa frente num jardim estranho. Os Sonhos são memórias liquefeitas pelos neurónios e transformadas em correntes cénicas silenciosas e imateriais transformadas em imagens que flutuam numa outra dimensão. Até que ponto os Sonhos são uma criação consciente? Ou, como o Universo, nós temos mais que um Cérebro, um outro Cérebro que "acorda" e "vive" enquanto o Cérebro-orientador repousa? Mas há os Sonhos voluntários, aqueles que nós chamamos ao nosso Consciente quando estamos acordados e temos o Corpo em repouso. Também são apelidados de Memórias. Mas para mim, quando chamámos à nossa presença as Memórias boas de uma Realidade já extinta e as revivemos com um Carinho, uma Emoção Nova mas constante, quando vestimos essas Memórias-   recordações com cores, paisagens, actos de amor ou de alegria, quando  pedimos ao nosso Primeiro Cérebro para as criar - ou seja, quando pedimos auxílio ao Primeiro Cérebro para "tornar realidade aparente" os pedaços da nossa Vida Passada que queremos reviver, mergulhamos numa Terceira Realidade: não é a Realidade a que chamamos a Vida Real, mas também não é Realidade dos Sonhos. É uma Realidade que se vive acordada mas sem Substância - sem sons, sem dimensões, sem personagens vivas - mas que existiram ou existem. Podemos então sugerir que também há dois géneros de Sonhos: os Voluntários, que criámos acordados, orientando nós o que pretendemos sonhar ou imaginar e os Sonhos do chamado Subconsciente (Segundo Cérebro?) - aqueles que de repente povoam a nossa mente mergulhado no Estado de Sonho.
Mas são os Sonhos que conscientemente criamos quando estamos acordados que mais nos marcam porque podemos "sonhar o que desejamos sonhar" .O nascimento de um filho, revê-lo ainda nas suas primeiras horas de vida, imaginar sentir a sua pele tão macia e os seus olhos enormes pousados nos nossos com uma doçura mais divina que humana; ou ir ao encontro do nosso Primeiro Amor, tentando sentir dentro de nós o êxtase antigo ao pousarmos os nossos olhos naquele rosto que amámos como se nele estivesse escondido toda a nossa vida e as nossas forças; ou o dia do nosso casamento - a excitação, a simbiose da Alegria e da Responsabilidade, o alívio por termos sido aceites pela Pessoa Amada. E a Segurança de sabermos que nunca mais estávamos sósinhos. 
Os Sonhos acordados são uma Força que ajuda a quebrar a Solidão mas tantas vezes nos ajuda a suportar a Incompreensão daqueles que nos deviam aceitar sem reservas. É nesses momentos de encruzilhada que queremos regressar à Adolescência, quando éramos quase livres e ainda saboreávamos a frescura das folhas das árvores, o sabor doce e ácido das maçãs espalhadas sobre a palha na pedra dos lagares, quando íamos à corte do gado afagar os pescoços macios dos grandes barrosões e a alegria de ouvir os seus mugidos chamando-nos para lhes oferecermos mãos cheias de maças. E ainda sentimos hoje o calor da sua baba quente quando sem medo lhes chegávamos as mãos abertas cheias de maçãs coradas aquelas bocas enormes que para nós era como mãos de amigos queridos. E nesses Sonhos-âncora voltámos a subir as escadas de madeira pousadas nas altas ramadas e voltámos a colher os gordos cachos a caminho dos lagares. E à noite voltamos a vestir os curtos calções e a mergulhar es pernas brancas e ágeis no mosto quente e voltámos a pisar aqueles cachos sagrados das Vinhas da Vida. E voltámos a sentir o mesmo calor do vinho a começar a fermentar e a pele das pernas a começar a ficar quente e espessa como se mãos estranhas as apertassem com estranho vigor. E ouvíamos as vozes dos jornaleiros cantando ao desafio e sentíamos o Aroma das sardinhas a assar dentro do forno antigo. Os Sonhos que sonhamos quando estamos acordados murmuram-nos Lembranças e Sensações que abraçarmos como se o Outono da Vida nos quisesse afogar.  (José Quinto Barcelos, 4ª feira, 20 de Junho de 2018 - 11:56 horas).