quinta-feira, 16 de agosto de 2012

EMA DE JESUS RODRIGUES (DRª - Latim) - Coimbra - CARTA PÓSTUMA

Porto, 01 de Fevereiro de 2006 (4ª feira, 10:37) Ema tão querida, estou a dar a aula na sala 26. Mudámos de sala porque me pediram para empreestar a 20 para uma colega dar um teste escrito. Não sei se foi a Zita Amado ou a Olga Moutinho que mew pediram a sala. Ainda te lembras que na Escola Secundária Aurélia de Sousa há dois blocos, o bloco da frente, com o hall de entrada, Serviços Administrativos, Biblioteca, Conselho Diretivo e salas de aulas e o bar, e ligado a este por uma "ponte" há um outro edifício nas traseiras que todos apelidam, por piada, de "Marrocos". Ao fundo do corredor aéreo há uma sala, com grandes portas para este corredor. Creio que é a sala 25. Era aí que davas as aulas de Latim. Quando chegavas a casa ou nos víamos na escola tu dizías-me: "hoje fui para Marrocos dar duas aulas". Onte, a nossa filha Ema Gabriela e eu estivemos várias horas no computador a elaborar uma carta-relatório endereçada ao Diretor-Geral dos Serviços da Saúde requerendo que mandasse averiguar as causas da tua morte na cama número 6 na enfermaria do Serviço de Cardiologia do Hospital Geral de Santo António. Vamos tentar que a equipa médica que, com tanta desumanidade e tanto desprezo te deixou morrer sem ter efetivado a tua transferência para Coimbra onde o Professor Manuel Antunes já te aguardava. Damos conta, nesse escrito, da profunda antipatia manifestada pelos médicos quando souberam do interesse manifestado pelo Professor Paulo Mendo em conseguir que fosses para os Hospitais da Universidade de Coimbra. Também solicitamos que nos expliquem porque nunca nenhum médico nos convocou para nos explicar a realidade concreta do teu estado de saúde. Eu sei e tua filha também que nunca mais te teremos connosco, que muito provavelmente nada irá acontecer a vavor da justiça porque, vivemos em Portugal e não nos Estados Unidos, eu sei que nunca mais voltaremos a viajar juntos e tu nunca mais me dirás, ao passar junto ao Mondego: "e me dirás: "José António, como são tão belos os verdes campos do Mondego!". Eu sei que nãO´voltaremos os dois a Fátima onde tu, com uma Fé enorme (talvez sentisses dentro de ti uma solidão que eu e a nossa filha não fomos capazes, não quisemos ou não soubemos substituir por um amor como tu merecias). Ainda não veio a resposta ao meu pedido de reforma. O da Graciosa, pedido depois do meu já veio deferido. Eu sei (agora) que me deveria ter reformado mais cedo para termos vivido juntos mais tempo, dias mais doces e feito os passeios que tu tanmto gostavas. Mas, como cada ano antecipado sofria uma penalizaçãp monetária pesada fui adiando esquecendo-me que estavas sempre em casa sem mim. Afinal nenhum de nós foi capaz de abraçar estreitamente o outro e de dizer o quanto precisávamos de estarmos juntos, fortemente unidos, as mãos dadas um na outra e aguardarmos serenamente, juntos, o tempo que restava. Cada um de nós deveria talvez pensar que viveria por toda a Eternidade, ou então devíamos ter a nossa alma em hibernação. Mas só tu é que sofrias. A filha sempre distante física e mentalmente e o marido, tão perto e estupidamente tão longe. Perdoa-me, se me ouvires ler em silêncio esta carta. Faltou a ambos a tão infantil coragem de dar a mais maravilhosa das ofertas: a Ternura. Agora resta suportar na consciência o preço devido. Um beijo enorme que sei irás receber, do teu "Xône", do teu Albatroz que, afinal, sempre te amou. José António (10:50)

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