sexta-feira, 17 de maio de 2013

LUNDA, OH, MINHA LUNDA TÃO AMADA!

PORTO, 23:46 - 6ª feira, 17 de Maio de 2013.

Quando a noite chaga e a solidão me acompanha o meu Espírito ergue-se de dentro de mim e desaparece na noite, É o meu voo feito de silêncio e de coragem, é o meu voo feito de procura
daquela terra, dessa TERRA que ficou para sempre a ser minha.

Não me interessa Angola nem o Lubango, nem Benguela, nem a Huíla.

                   É a minha terra vermelha da Lunda, o meu rio Luachimo,
                   é o meu Povo Quiôco, é o meu Povo Lunda, é o meu Povo Luena
                   são as almas dos meus Irmãos Sanjinje ("môio mwata munene!, môio!)
                   e do meu Irmão André Comboio - e de todos os Irmãos que me ajudaram,
                   ao longo dos anos a viver na minha solidão naquela Terra tão distante,
                   rodeados dos MEUS IRMÃOS DA LUNDA.


E se agora ainda não são felizes - e se agora ainda são sacrificados porque a Natureza foi cruel
ao semear nas suas terrras veios diamantíferos - que a maqldição da lepra corroia por dentro
TODOS AQUELES que não respeitame nem honram os MEUS IRMÃOS DAS TERRAS
DA LUNDA.

Quando a noite vem, aqui numa cidade triste e suja o meu Espírito desaparece e voa solto e livre e voa e voa até que avista, no negrume da noite as aldeias do Lucapa e de Cassanguidi e as luzes
ainda acesas do meu Dundo.

                       E dentro da minha Alma acende-se de novo o aroma das planuras de capim e
o suor nocturno dos imensos imbondeiros. E sento-me de novo na varanda modesta da minha casita de telhado de zinco, a K.19. E sou eu próprio que ali estou sentado.

                          E volto a ter 24 anos. E volto a ser quase criança
                          e os meus sentidos, como a água fresca são livres e ágeis.

Perto de mim na casa do David Bernardino ele deve estar a ouvir Mozart - e como ele amava Mozart,
antes de ser abatido a tiro. Meu querido Irmão David Bernardino que tanto te rias quando eu no
teatro ao ar livre representava o Tolo, no Auto das Barca do Inferno. E como o teu rosto se acendia de felicidade quando enchias a tua carrinha de crianças e as distribuías pelas aldeias sem água corrente nem electricidade, nem um futuro risonho - QUE LHES ERA DEVIDO!

Nós, os Portugueses, os Belgas, os Ingleses, os Americanos, os Sul Africanos brutalizámos tanta ALMA HUMANA, durante tantas décadas para lhes roubar o que era deles. Roubamos a Felicidade, a Dignidade, o Futuro a tantos milhares de inocentes!


                  COMO FOMOS TÃO CRUEIS COM POVOS TÃO PACÍFICOS!

                  COMO CONTINUAM A SER BRUTALIZADOS NAQUELA TERRA

                  ONDE A ALMA DO DAVID BERNARDINO E DO SANJINJE E DO

                  ANDRÉ COMBOIO VAGUEIAM AO LUAR DA LUNDA.


Sempre os amei, sempre os colei à minha Alma e sempre misturei o meu Espírito com os seus Espíritos e hoje, com toda a Humildade e Vergonha que posso ter - a todos eles PEÇO PERDÃO
pelo mal que a gente do meu País lhes fez.

Vivi com eles, dancei com eles nas noites festivas na escuridão do mato afogueado pelo brilho das fogueiras.

                  AS FOGUEIRAS NAS ALDEIAS DA LUNDA!
                  E OS CANDANJES COM OS SEUS CORPOS ADOLESCENTES REVESTIDOS
                  DE TINTA BRANCA DANÇANDO OS BAILADOS MILENARES DE PASSAGEM
                  DA ADOLESCÊNCIA PARA A VIDA ADULTA E O SOM SURDO E FORTE DOS
                  TAMBORES A NOITE INTEIRA INCENDIANDO A TCHANA DOS MESMOS
                  SONS DE ANTES DOS BRANCOS CHEGAREM - O SOM DA TERRA-MÃE.



 Adormeço de novo na minha casita de telhado de zinco. São 2,20 da madrugada.
 Ouço bater no vidro da janela do meu quarto.
 Abro a janela. O Espírito do Manuel Monteiro, rodeado duma luz suave de Tranquilidade e de Alegria sori-me:

         - "Barcelinhos, vou fazer uma cesariana. Quer vir comigo"?

            E o seu corpo alto e magro embrulhado na neblina da noite torna-se noite.

           Um perfume doce da Bondade que o envolvia ciranda à volta do meu Espírito.

            Nasce um novo dia numa cidade pobre e suja.
           
             Recomeçam as filas de trânsito num país europeu com as mãos sujas de "terra vermelha",


                                                        A TERRA DA LUNDA.

                 
               

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