sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Museu Etnografico do Dundo - Lunda Norte

Tanta coisa à minha volta e eu sem nada.
Tanto cimento e tanta raiva.
Tanta criança despida e os meus armários cheios de algodão e lã, e linha e até gravatas de seda.
Sinto tanta falta de ver cavalos correndo elásticos e frementes e de respirar o perfume das planuras da Lunda.

         Tanta falta, santo Deus!

É raro o dia que não vejo dentro do meu espírito o rosto do Sanjinje, aquele rosto grave, aquele corpo simultaneamente idoso e ágil.
E eu tão novo nos meus 24 anos caminhando atrás dele pelas planuras e pelos muchitos. E Angola em guerra e eu sózinho longe de tudo, confiando a minha vida aquele Quiôco bom e as seus auxiliares. E eu tão amigo deles, tão grato, tão novo e confiando neles como se tivesse sido criado na sua companhia desde sempre. E esses cheiros que há quarenta anos dormem comigo!
O que será feito do Museu do Dundo, onde trabalhei, por onde andei, por aqueles corredores, olhando as enormes marimbas, os fatos das cerimónias tradicionais, as máscaras que os homens usavam quando era a Terra-mãe o seu Deus e a sua Mãe Verdadeira? E as velhas fotografias de antigas expedições ao Muatiânvua, quando a África, o nosso Primeiro e Único Berço vivia virgem, pura, sem safaris assassinos nem a cobiça dos homens pelo interior do seu ventre. Ah, como eu amei tanto essas planuras sem nada lhes pedir. Apenas me consolava a sua vastidão e a visão extraordinária dos seus rios calmos, como braços humanos afagando essa terra vermelha e bendita. Agora estou longe, tão longe, santo Deus! O Lucapa, o Facaúma, Cassanguidi, o Dundo, a minha velhinha K. 19 onde dormia de janelas abertas deixando que a humidade da noite se misturasse com o meu sangue.

          E misturou-se, e tornou-se ela mesma parte de mim. Por isso nunca esqueço.

(Porto, 5 de Fevereiro, de 2011 - sábado, 16:36 -  José Quinto Barcelos - nº 1323)        

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